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Questões Legais da Prestação de Serviços não Jurídicos propriamente ditos

by | 01/08/23

Nas últimas semanas, venho publicando artigos sobre o advogado do futuro e falando a respeito das possibilidades de prestação dos serviços não jurídicos propriamente ditos. Agora, retomo o assunto com uma importante questão: Como regulamentar esses serviços?

Antes de mais nada, precisamos entender quais serviços podem ser prestados e faturados por uma sociedade de advogados. Infelizmente, ao contrário do que alguns esperam, a definição de serviços jurídicos não é tão bem delimitada quanto deveria ser. Portanto, nossa missão será trazer maior clareza sobre o caso.

O Estatuto da Advocacia, Lei 8.906/94 inicia seu texto tratando do tema com foco naquilo que é privativo à advocacia:

Art. 1º São atividades privativas de advocacia:

I – a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais;

II – as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

§ 3º É vedada a divulgação de advocacia em conjunto com outra atividade.

O inciso II pode nos ajudar a obter a clareza de que estamos buscando, já que traz os termos consultora jurídica, assessoria jurídica e direção jurídica.

Conforme entendimento de Paulo Lôbo, “a assessoria jurídica (…) se perfaz auxiliando quem deve tomar decisões. (…) Direção jurídica tem o significado de administrar, gerir, coordenar, definir diretrizes de serviços jurídicos. (…) A consultoria jurídica não pode ser prestada como oferta ao público, de modo impessoal.

Sendo assim, faz parte das atividades advocatícias as consultorias e assessorias somente jurídicas e é este o ponto principal que deve ser observado daqui em diante.

Art. 16.  Não são admitidas a registro nem podem funcionar todas as espécies de sociedades de advogados que apresentem forma ou características de sociedade empresária, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam como sócio ou titular de sociedade unipessoal de advocacia pessoa não inscrita como advogado ou totalmente proibida de advogar.

§ 3º É proibido o registro, nos cartórios de registro civil de pessoas jurídicas e nas juntas comerciais, de sociedade que inclua, entre outras finalidades, a atividade de advocacia.

Analisando a questão de constituição das sociedades de advogados, a matéria é abordada por Assis Gonçalves em suas lições:

Por não poder revestir-se de forma ou características mercantis e por não comportar profissionais de outras áreas no seu quadro social (EAOAB, art. 16), não é lícito, à sociedade de advogados, adotar nenhum dos tipos de sociedade empresária (em nome coletivo, em comandita simples ou por ações), que exerça, mesmo quando se dê em grande escala, com complexidade e organização semelhantes às de uma empresa. Ou seja, jamais poderá a sociedade de advogados ser enquadrada como sociedade empresária”

Segundo entendimento do STJ, em decisão de maio de 2015, ao julgar o Recurso Especial nº 1.227.240-SP, sob relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça:

“As sociedades de advogados são sociedades simples marcadas pela inexistência de organização dos fatores de produção para o desenvolvimento da atividade a que se propõem. Os sócios, advogados, ainda que objetivem lucro, utilizem-se de estrutura complexa e contem com colaboradores nunca revestirão caráter empresarial, tendo em vista a existência de expressa vedação legal (arts. 15 a 17, Lei n. 8.906/1994)”.

O Regulamento Geral da OAB também dispõe sobre a constituição de uma sociedade de advogados, inclusive trazendo a opção das sociedades unipessoais:

Art. 37. Os advogados podem constituir sociedade simples, unipessoal ou pluripessoal, de prestação de serviços de advocacia, a qual deve ser regularmente registrada no Conselho Seccional da OAB em cuja base territorial tiver sede.

Art. 43. O registro da sociedade de advogados observa os requisitos e procedimentos previstos em Provimento do Conselho Federal.

Quanto aos requisitos para que uma sociedade de advogados seja constituída, um deles é a necessidade de definição do seu objeto social: “que consistirá, exclusivamente, no exercício da advocacia”.

Provimento Nº 112/2006 – Dispõe sobre as Sociedades de Advogados:

Art. 2º O Contrato Social deve conter os elementos e atender aos requisitos e diretrizes indicados a seguir:

II – o objeto social, que consistirá, exclusivamente, no exercício da advocacia, podendo especificar o ramo do direito a que a sociedade se dedicará;

Provimento Nº 170/2016 – Dispõe sobre as sociedades unipessoais de advocacia:

Art. 2º O ato constitutivo da sociedade unipessoal de advocacia deve conter os elementos e atender aos requisitos e diretrizes indicados a seguir:

II – o objeto social, que consistirá, exclusivamente, na prestação de serviços de advocacia, podendo especificar o ramo do Direito a que se dedicará;

“Ou seja, diferente disso, o registro não é na OAB e advogados podem constituir outro tipo societário para registro nas Juntas Comerciais ou nos Cartórios de Registro de Pessoas Jurídicas, sendo vedada a inclusão de atividade de advocacia.” Disse Stanley Frasão sobre o tema.

Já o Provimento 196/2020 reconhece como atividades advocatícias a conciliação, mediação e arbitragem:

Art. 1º Constitui atividade advocatícia, para todos os fins, a atuação de advogados como conciliadores ou mediadores, nos termos da Lei n. 13.140/2015, ou árbitros, nos moldes preconizados pela Lei n. 9.307/1996.

§ 1º A atuação de advogados como conciliadores, mediadores, árbitros ou pareceristas e no testemunho (expert witness) ou no assessoramento às partes em arbitragem não desconfigura a atividade advocatícia por eles prestada exclusivamente no âmbito das sociedades individuais de advocacia ou das sociedades de advogados das quais figurem como sócios.

O Provimento 205/2021, ao versar sobre o marketing jurídico, em seu artigo 4º, comenta sobre a possibilidade de divulgação ativa para venda de infoprodutos. Entretanto, precisamos separar os assuntos e lembrarmos que este provimento se refere apenas à publicidade destes infoprodutos e não à definição de que sejam ou não serviços jurídicos ou serviços de advocacia.

§ 4º Quando se tratar de venda de bens e eventos (livros, cursos, seminários ou congressos), cujo público-alvo sejam advogados(as), estagiários(as) ou estudantes de direito, poderá ser utilizada a publicidade ativa, observadas as limitações do caput deste artigo.

Pois bem, já temos um excelente aparato normativo sobre o objeto de estudo deste artigo e agora precisamos caminhar para as conclusões tão esperadas sobre o que exatamente são os serviços de advocacia, ou melhor, quais não são os serviços de advocacia.

E então… cursos que ensinam advogados a fazerem sustentação oral, a atuarem em áreas específicas do direito, ou a prestarem serviços determinados de LGPD ou compliance, por exemplo, são serviços jurídicos?

E o coaching jurídico, mentoria jurídica, consultoria em gestão legal, consultoria em marketing jurídico?

E os serviços de implantação, adequação e gestão de LGPD, Compliance e ESG (Environmental, Social and Governance)?

Para tornar este ensaio ainda mais rico e crível, tenho a honra de trazer as palavras de dois ícones quando falamos em Sociedade de Advogados, Cajé – Carlos José Santos da Silva, Presidente do Conselho Diretor do CESA e Stanley Martins Frasão, Diretor Executivo do CESA – Centro de Estudos de Sociedades de Advogados

Segundo Cajé, respondendo cirurgicamente às nossas indagações:

“Uma sociedade de advogados não pode cobrar por cursos, seminários, coaching jurídico ou consultoria em gestão legal, marketing etc., pois os fiscos municipais poderão interpretar que tais serviços não são privativos da advocacia e consequentemente desenquadrá-los do regime especial de tributação municipal por valores fixos. 

Com relação a implantação, adequação e gestão de LGPD, compliance ou ESG esses são serviços que se enquadram na hipótese consultoria jurídica, nos termos previstos no art.1º, inc. II do Estatuto da advocacia, não havendo nenhum óbice a cobrança destes serviços por sociedade de advogados.

Conforme Stanley nos conta com sua experiência:

“Durante os 17 anos que presidi a Comissão de Sociedades de Advogados da OABMG, por diversas vezes determinei a baixa do processo de constituição ou alteração contratual visando cumprir a legislação de regência das espécies de Sociedades de Advogados. Algumas vezes a insistência era no sentido de se incluir no objeto social do Contrato Social da Sociedade de Advogados ou Ato Constitutivo da Sociedade Individual de Advocacia, atividades que extrapolam a permissão legal. Como citado acima pela Juliana, os Provimentos 112/2006 e 170/2016 são claros: “o objeto social, que consistirá, exclusivamente, na prestação de serviços de advocacia, podendo especificar o ramo do Direito a que se dedicará.

O objetivo social da Sociedade de Advogados é regular e disciplinar as relações entre advogados, administrativa e financeiramente. Diferentemente das demais sociedades de serviço, que é a prestação de serviços a terceiros. A Sociedade de Advogados pratica atos que não sejam privativos de advogados.

Mas leiam e tenham em mente o Provimento Nº 66/1988, que dispõe sobre a abrangência das atividades profissionais do advogado, o Provimento Nº 69/1989, que dispõe sobre a prática de atos privativos por sociedades não registradas na Ordem e o Provimento Nº 188/2018, que regulamenta o exercício da prerrogativa profissional do advogado de realização de diligências investigatórias para instrução em procedimentos administrativos e judiciais.

Sendo assim, fica o alerta para aqueles advogados que estão expandindo seu leque de oportunidades e incorporando em seu portfólio de serviços atividades que não são de advocacia. Estes serviços não jurídicos não podem ser absorvidos no objeto das sociedades de advogados e, portanto, não podem ser faturadas no CNPJ inscrito na OAB e necessitam da abertura de um outro CNPJ para se regularizarem.

 

Fontes:

LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB, 7ª ed. p. 21

GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Sociedade de Advogados, p. 46.

Juliana Pacheco

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